Um investimento de R$ 1,2 milhão do governo federal ajudou na construção da usina e da cooperativa, que ofertam geração de emprego e renda para a comunidade de São Francisco de Parauá.
Um projeto, realizado pelo pesquisador Rubens Souza, da Faculdade de Tecnologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), promete a geração de energia elétrica alternativa, produzida a partir do gás existente dentro do caroço de açaí, fruta típica da região.
Um projeto, realizado pelo pesquisador Rubens Souza, da Faculdade de Tecnologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), promete a geração de energia elétrica alternativa, produzida a partir do gás existente dentro do caroço de açaí, fruta típica da região.
O projeto-modelo chamado de Negócios de Energia Elétrica em comunidades isoladas da Amazônia (Neram), realizado pelo Centro de Desenvolvimento Energético do Amazonas (Cdeam), em parceria com a Ufam, desenvolveu um motor capaz de gerar 44 quilowatts de energia elétrica. Hoje, o projeto é executado pela Cooperativa Energética Agro-Extrativista Rainha do Açaí (Ceara), localizada na comunidade de São Francisco do Parauá (a 120 quilômetros de Manaus).
Rubem afirmou que o projeto faz parte de uma série de outros estudos selecionados pelo Ministério de Minas e Energia, com o objetivo de solucionar problemas enfrentados pelo programa “Luz para Todos”, do governo federal no interior do Estado. “O projeto surgiu em 2002, para apontar soluções no atendimento das comunidades isoladas do Amazonas. Na época, eu e outros professores dissemos que não seria possível atender às comunidades, se a solução fosse somente com geradores movidos a diesel e extensão da rede”, ressaltou.
Com a adoção dos dois procedimentos, Rubem disse que o programa iria esbarrar em dois problemas: um técnico e outro econômico. “O primeiro estaria relacionado aos grandes gastos, visto que, em nossa região, os rios são muito largos e existe uma grande dispersão de ribeirinhos na imensa área do Estado”, disse.
Já o problema econômico estaria relacionado à falta de renda dos moradores para pagar a conta da energia ofertada. “Não é especulação. Está registrado nos levantamentos do Luz para Todos no Ministério de Minas e Energia que o índice de inadimplência no Amazonas está em torno de 70%. Isso significa dizer que, não basta ter energia elétrica, ela é só um insumo. É preciso também gerar renda para a região”, salientou.
Eletricidade é um sonho - A comunidade de São Francisco do Parauá é isolada e possui mais de 42 anos. Nela, residem 33 famílias que sobrevivem basicamente da agricultura. Moradores como ‘sêo’ Manoel Queiroz de Andrade, 67, que, mesmo aposentado, disse que precisa complementar a renda com o plantio de verduras e legumes. O dinheiro ele aplica na compra de óleo diesel,usado no abastecimento do motor-gerador de energia elétrica, o qual utilizado pela família dele no início da noite. “O que eu ganho mal dá para o sustento da família. São R$ 415 de aposentadoria, mas o gasto é de R$ 350 com combustível, que garante energia por uma parte da noite. A chegada da eletricidade é um sonho para nós”, falou o agricultor.
Assim com sêo Manoel, outros moradores esperam um dia poder contar com a energia elétrica, que, por ironia, fica a poucos metros dali, no terreno ao lado, na sede da cooperativa.
Desenvolvimento sustentável - Dos 22 programas inscritos em todo o país no Luz para Todos, apenas cinco estão em andamento. “Desses, o único que deu resultado completo e que está em fase de execução é o Neram (Projeto de Negócios de Energia Elétrica em Comunidades isoladas da Amazônia)”, o pesquisador da Faculdade de Tecnologia Ufam, Rubens Souza.
“A nossa única pendência foi a falta de construção da rede elétrica que era obrigação da Eletronorte na época, que não construiu. Várias foram as explicações, mas nenhuma com clareza e exatidão. Só o que podemos afirmar é que existe uma previsão para este ano”, afirmou.
Para solucionar os problemas e garantir o desenvolvimento sustentável da região, Rubem disse que era preciso gerar renda ao local. Foi daí que surgiu a figura da cooperativa que permite trabalhar a organização comunitária com a visão de negócio e contribuindo para o desenvolvimento local.
Ele ressaltou que a fonte de energia tinha que estar associada ao produto que geraria a renda. “E como as comunidades próximas extraem açaí e a localização faz parte da rota de escoamento, optamos pelo fruto. Daí, geramos duas fontes de renda — a polpa e o gás do açaí”, salientou. A idéia do negócio, segundo Rubem, é vender a energia produzida pelo açaí para um único comprador, que seria a concessionária de energia elétrica, por conta do risco de inadimplência de um ou outro usuário. Além de usar o caroço do açaí, ainda se pretende usar cascas de castanha do Brasil, tucumã, buriti e qualquer outro resíduo passível de adaptação, dependendo apenas de alguns ajustes no equipamento. “Estamos negociando com algumas empresas locais para produzirem a energia em Manaus”, revelou.
Entenda como funciona a produção - Segundo o pesquisador senegalês Omar Seye, também da Ufam, que é responsável pela manutenção dos motores da Ceara (Cooperativa Energética Agro-extrativista Rainha do Açaí), a energia produzida é o suficiente para atender mais três comunidades, além do Parauá. “No total, o projeto pretende abranger 133 domicílios das quatro comunidades”, informou.
Seye explicou que o processo da geração de energia é bem simples. A cooperativa que já trabalha com a produção de polpa de açaí, goiaba e buriti, armazena os caroços do açaí e os deixa secar antes de passar pela fase de gaseificação. “A seca dos caroços dura em média doze horas e a partir desse momento, o caroço é inserido em um cilindro, com capacidade para cinco toneladas, onde passa novamente por um processo de secagem eliminando a umidade que resta na semente”, explicou.
Durante esse processo, a fibra é separada do caroço, que, segundo o pesquisador, podem ser aproveitadas pela indústria de automóvel na confecção de bancos ou ainda como xaxim. Depois de secos e sem fibras, os caroços são postos dentro de um forno, na temperatura de até 90º para serem quiemados, segundo informou o pesquisador. Logo em seguida, os caroços são depositados, enfim, no gaseificador onde sofrem um choque de temperatura e um breve resfriamento — caem de 80º para 35º graus — até chegar ao estado de gasificação. “O gás é enviado para um motor movido a diesel e a gás do açaí, onde são gerados os 44 quilowatts de energia elétrica”, afirmou.
Na usina, Omar falou que são necessários 110 kg de caroços de açaí para cada uma hora de energia elétrica e a intenção dos coordenadores do projeto é de que o motor passe a funcionar apenas movido a gás, restando apenas a adequação de um sensor de velocidade para concluir a adaptação do equipamento.
Ao todo, foram gastos R$ 1,2 milhão do Governo Federal no projeto Neram, conforme informou Atlas Barcelar do Cdeam (Centro de Desenvolvimento Energético do Amazonas).
Incentivos - Apesar de o invento ter sido considerado pela equipe de pesquisadores como uma verdadeira prova de desenvolvimento sustentável e energia renovável para as comunidades localizadas naquela região, até hoje nenhuma proposta concreta de investimento, dos setores privado ou público, chegaram até a cooperativa, conforme informou Barcelar.
De acordo com o prefeito de Manacapuru, Whashington Régis, aquele município atendeu algumas solicitações da equipe de pesquisadores e fez investimentos como a construção de uma escola e a doação de R$ 10 mil para a construção do aerador. “Estive visitando a comunidade, há quatro meses, mas não tinha conhecimento do funcionamento, mas, agora, vou contatar nosso secretário de obras para fazer uma visita lá”, informou.
Régis disse, ainda, que a prefeitura de Manacapuru sempre esteve de “portas abertas” para atender a equipe de pesquisadores da Ufam e ressaltou que, assim como na comunidade do Parauá, outras populações ribeirinhas já deviam estar contando com a energia elétrica desde 2006. “Há dois anos fizemos o pedido para que a empresa Manaus Energia, vencedora da licitação, instalasse a rede elétrica, mas isso não foi feito”, disse. Ele ressaltou que nunca foi procurado pelos pesquisadores para tratar da comercialização da energia elétrica.
Fonte: Amazonas em Tempo