A sociedade está impondo novas barreiras éticas ao uso das cotas de passagens aéreas pelos parlamentares. Há décadas, o Congresso Nacional oferece um valor mensal, pela tarifa cheia das companhias, e o parlamentar o utiliza como melhor lhe parecer. As empresas oferecem promoções, para ocupar os assentos em seus aviões, chegando a cobrar quantias irrisórias pela viagem Manaus-Brasília-Manaus, enquanto o total oferecido pelo parlamento pela mesma passagem fica acima dos R$ 2 mil.
Recebi, há pouco tempo, aviso de que, se antecipasse a compra de 30 passagens aéreas, o preço seria de R$ 150 por cada. Como isso é bem mais barato que o valor oferecido como cota individual, o resultado é que um enorme saldo fica acumulado. Foi assim que o senador Jefferson Péres, ao falecer, em maio do ano passado, tinha um crédito em passagens de R$ 118 mil. Eu mesma, de acordo com meu gabinete, tenho perto de R$ 50 mil acumulados dentro da cota.
Foi noticiado, na semana passada, que viajei 20 vezes para fora do País. Reponho a verdade, em detalhes, para evitar mais desentendimentos: Viajei quatro vezes para o exterior, ao longo do meu mandato, iniciado em 2007. Numa delas fui a Londres, representando o País, em Fórum Internacional de Combate ao Aquecimento Global. O Congresso, nesses casos, paga a passagem. Como não havia tempo, eu mesma a emiti dentro da minha cota pessoal.
As passagens divulgadas no site Congresso em Foco, no dia 22 de abril, tratam de uma viagem que fiz com minha família, em julho do ano passado, para Barcelona, na Espanha. Não sei se por um erro de contagem, o site divulgou vinte vôos em meu nome, porém, quem olhar atentamente para a lista perceberá que alguns trechos estão duplicados, sendo assim, o número correto são 12 vôos feitos para um só destino, contando com as escalas.
Quem viaja para o exterior sabe que, na maioria das vezes, é difícil conseguir vaga no mesmo vôo para toda a família. Usando a cota parlamentar, isso se torna mais fácil. Me vi, diante do balcão, na iminência de não ter vaga para minha família e comprei os bilhetes na minha cota. Isso era permitido e só agora, diante de todos esses debates e polêmicas, que a Câmara Federal alterou corretamente as regras para o uso da cota de passagem aérea.
Sem querer justificar meus erros, lembro-lhes que um deputado federal, é deputado durante as 24 horas do dia e que uma viagem, como a que fiz a Barcelona, gera idéias e planos de trabalho. Lá, pelas mãos de uma profissional de urbanismo, o melhor de Barcelona foi apresentado a mim, numa experiência exemplar para a maioria das cidades brasileiras. Conheci um trabalho fantástico de reciclagem do lixo. Barcelona recicla mais de 40% do seu lixo, com um sistema que não é muito complexo. A experiência me orientou para apresentar projetos de lei e definir diretrizes mais sólidas para o grupo de trabalho de Questões Urbanas, que coordeno na Frente Parlamentar Ambientalista.
Curvo-me, porém, à barreira ética que a sociedade impõe. Entendo que esse é o dever de todo homem e de toda mulher em cargos públicos. Tentei devolver o dinheiro que usei com familiares à 3ª Secretaria da Câmara Federal, que é a responsável pelas cotas de passagens. Não permitiram. Resolvi então que vou doar a quantia correspondente ao valor dos bilhetes para uma instituição de caridade do Amazonas.
Esta semana, irei ao Grupo de Apoio à Criança com Câncer (Gacc) e deixarei lá a quantia. Doarei, caso isso seja permitido, o saldo das passagens que não utilizar, ao fim do ano, para a Associação de Pais de Crianças Cardiopatas do Estado do Amazonas (APACC/AM), que atende a muitos doentes precisando de tratamento fora do domicílio.
Estou filiada ao grupo que, como o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), utilizou a cota de passagens com parentes, e agora comemoram a decisão da Mesa Diretora em criar regras mais rígidas para a utilização da mesma.
É bom quando a sociedade se mobiliza. Espero que essas novas regras sejam um exemplo para os demais poderes e ajudem o País a economizar recursos, neste momento de crise.
27 de abril de 2009
segunda-feira, abril 27, 2009
Artigo: Cota de passagem
Rebecca Garcia
Artigo publicado no Diário do Amazonas
Foto: Vador Goularte