17 de agosto de 2007

MEIO AMBIENTE - O bombeiro do planeta


Pedro Moura Costa gerencia 3 bilhões de euros em créditos de carbono

Criado no bairro carioca de São Conrado, Pedro Moura Costa, de 44 anos, poderia ter virado surfista ou guitarrista profissional. Dividiu a juventude entre as ondas da praia e os ensaios com o primo Rodrigo Santos, baixista da banda Barão Vermelho. Ao passar no vestibular para engenharia agronômica, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, no início dos anos 80, deu início a uma radical mudança de trajetória. Duas décadas depois, o ex-menino do Rio mora em Oxford, na Inglaterra, onde preside a EcoSecurities, empresa que bateu a casa de 1 bilhão de dólares em valor de mercado na Bolsa de Londres.

Costa é um dos responsáveis por tornar viável o mercado mundial de trocas, entre países e empresas, de direitos de emissão de gases causadores do efeito estufa. Ele foi responsável, por exemplo, pela convenção internacionalmente aceita de que cada árvore retira da atmosfera o equivalente a 25% do peso em monóxido de carbono. Essa é uma das contas feitas para descobrir quantos créditos são gerados a partir de um projeto de reflorestamento.

“Estamos diante de um momento histórico. É indubitável que o clima está mudando e os gases causadores do efeito estufa são a principal razão”, disse Costa a CartaCapital. “Só podemos esperar que as atividades que levam à redução das emissões cresçam em importância.” O reconhecimento do ambientalista, no entanto, ainda é muito maior fora do Brasil. “Poucas pessoas, mesmo nas ONGs, sabem que a EcoSecurities, reconhecida como a maior empresa do mundo na área de créditos de carbono, foi criada e é dirigida por um brasileiro”, diz o diretor do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Tasso Azevedo.

A EcoSecurities recebeu, há cerca de um mês, um aporte de 100 milhões de euros (44 milhões de euros do Credit Suisse International e outros 56 milhões de euros de um grupo de 30 investidores). À frente da empresa, Costa gerencia ou mantém participação em 422 projetos ligados à redução de emissão de poluentes em 36 países. É responsável direto pela administração de cerca de 3 bilhões de euros na forma do bem que é considerado a commoditty do futuro, o crédito de carbono.

Azevedo conta que conheceu Costa no início da década de 90, durante uma viagem à Malásia, onde o compatriota desenvolvia um projeto de manejo sustentável de florestas, considerado outro marco pelos ambientalistas. “O trabalho mostrou que uma vegetação nativa pode ser recuperada em 30 anos com a adoção de técnicas de baixo impacto, enquanto sem esses cuidados o mesmo resultado só é obtido em cem anos”, diz o diretor.

A consultoria ao governo da Malásia, seguida de outros projetos privados naquele país, foi a alternativa de emprego encontrada pelo engenheiro agrônomo, depois de concluir mestrado e doutorado na Universidade de Londres, como bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Cheguei a voltar para o Brasil, mas os próprios financiadores do meu estudo reconheceram que não havia campo de trabalho para mim”, lembra Costa.
O passo seguinte aos primeiros projetos foi retornar à Europa, em 1995, para criar o primeiro serviço independente de certificação de créditos de carbono. “Não é possível enxergar uma tonelada de carbono. Como, então, seria possível acreditar no trabalho desenvolvido por um brasileiro na Malásia?”, pergunta, ao se lembrar da aversão inicial à idéia. A metodologia foi licenciada para um dos maiores grupos de verificações e inspeções de commodities do mundo, o francês SGS.

Nesse período, o ambientalista atuou no primeiro projeto ambiental com redução de emissões certificado, na Costa Rica, e prestou consultoria ao Banco Mundial e ao Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, entre palestras e conferências por todo o mundo. O trabalho conferiu a Costa o reconhecimento da comunidade científica internacional. Convidado pela Universidade de Oxford, ele tornou-se professor associado e pesquisador. Até que, em janeiro de 1997, fundou a EcoSecurities.

“Abri a empresa com capital próprio. Era um escritório pequeno interligado a um sócio em Los Angeles (EUA)”, lembra. O primeiro sinal de que era realmente quente a aposta no mercado de créditos de carbono veio em dezembro do mesmo ano, quando começou a ser negociado o Protocolo de Kyoto, no Japão.

Na prática, as atividades do grupo consistem em vender a grandes corporações, responsáveis por atividades poluidoras, os créditos de carbono gerados nos projetos de desenvolvimento sustentável de empresas ou unidades localizadas nos países menos industrializados. Em geral, a própria EcoSecurities propõe e financia as iniciativas.

“Podemos, por exemplo, negociar antecipadamente a venda dos créditos de carbono de um parque de geração de eletricidade eólica para dar aval ao financiamento necessário para construí-lo”, explica Costa.

O pequeno escritório ganhou escala e projeção mundiais a partir de 2005, quando a Rússia tornou-se signatária de Kyoto e o protocolo entrou em vigor. Do portfólio total de projetos da empresa, cerca de 400 milhões de euros em créditos de carbono foram negociados e, a partir do próximo ano, começam a ser “entregues”, ou seja, passam a ser descontados nos cálculos de emissões de CO2 em países desenvolvidos.

O quadriênio entre 2008 e 2012 é conhecido como o primeiro período de comprometimento de Kyoto, quando os países signatários do acordo deverão cortar em 5,2% as emissões de gases. “O nível de atividade da empresa tende a crescer bastante, sobretudo se somado a outras iniciativas isoladas, como as de alguns estados americanos que já têm metas próprias de redução da poluição, embora o país não tenha assinado o acordo”, afirma Costa.

Apesar do reconhecimento mundial, o trabalho desenvolvido por Costa ainda desperta controvérsias. Há cientistas e entidades de defesa do meio ambiente contrários ao comércio de créditos de carbono, por acreditar que o mecanismo reduz as obrigações do mundo industrializado e impede uma diminuição maior das emissões de CO2 no planeta.
Azevedo, do Programa Nacional de Florestas, conta que o Ministério do Meio Ambiente estuda a criação de mecanismos para que os países desenvolvidos possam dar incentivos à redução do desmatamento, desde que fora do âmbito de Kyoto. “Queremos que seja um esforço adicional, não uma maneira de compensar as emissões no Primeiro Mundo”, explica o diretor. “Mas o Pedro (Moura Costa) é alguém com quem, certamente, vou trocar idéias sobre o tema.” Para conversar com Costa, o melhor é aproveitar uma das três ou quatro viagens que faz anualmente ao Brasil.

O escritório da EcoSecurities no Rio é o maior do grupo fora da Inglaterra, e tem entre os funcionários o pai e o irmão mais novo do presidente, Maurício. A mulher do ambientalista, com quem tem três filhos, também é especialista em manejo florestal. “O Pedro começou a gostar de trabalhar com a natureza no sítio dos nossos pais, em Petrópolis”, conta o caçula, de 40 anos. “Mas foi ele quem acabou por envolver a família nas causas ambientais.” Tornaram-se todos, como gosta de dizer o próprio Costa, bombeiros do clima.
Revista Carta Capital, por André Siqueira