15 de julho de 2008

Proteção de primeira

Nos 60 minutos após o parto, o leite materno tem uma concentração excepcional de anticorpos e libera hormônio que reforça a afetividade entre mãe e filho. Mas só 43% das mulheres amamentam no período

Recomenda a Organização Mundial de Saúde que a mamada de estréia aconteça na primeira hora após o nascimento. Mas só 43% das mulheres no Brasil amamentam o filho tão rapidamente, de acordo com pesquisa do Ministério da Saúde. A prática, importante devido à quantidade surpreendente de anticorpos presentes no leite materno nesse período, ajudaria a salvar 7 mil bebês a cada ano no país. No entanto, o aumento do número de partos cesarianos, aliado à falta de informação dos profissionais de saúde, dificulta o acesso rápido da criança ao peito da mãe.

Os partos cirúrgicos representam 44% do total nos hospitais públicos. Nas instituições particulares, esse índice sobe para cerca de 80%. “Nem sempre bebê e mãe estão bem após a cesariana. Fica mais difícil colocar a criança para mamar, até por conta das limitações físicas da mulher. Além disso, o bebê, dependendo do tipo do anestésico usado, pode ficar mais sonolento e ter dificuldade em sugar”, destaca Lélia Cardomane Gouvêa, especialista em nutrição infantil, integrante do departamento de aleitamento materno da Sociedade Brasileira de Pediatria e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Foi o que aconteceu com Elisângela Alves de Moura, 27 anos. Mãe de primeira viagem do pequeno Artur, hoje com 2 meses, ela passou por uma cesariana e teve de esperar os efeitos da anestesia sumirem para dar o peito ao filho. “Depois de duas horas é que fui mexer as pernas. Aí tive condições de amamentar”, conta. Consciente da importância do leite materno, Elisângela fechou a loja de ferramentas e utensílios que tem para se dedicar ao rebento. “Ele vai ficar no peito até os 6 meses, depois reabro meu negócio e volto a trabalhar, com ele do lado, é claro”, afirma Elisângela.

Hormônio do afeto - As células de defesa concentradas no primeiro leite, chamado de colostro, não são o único motivo para a mulher amamentar o quanto antes. A liberação de oxitocina, um hormônio ligado ao vínculo afetivo, aproxima mãe e filho, diminui o estresse por conta do parto, os riscos de depressão e faz o leite brotar mais facilmente. “O bebê se contamina pelo contato com a pele da mãe, fortalecendo seu sistema imunológico”, diz Lélia. “Está comprovado na literatura científica que essas crianças choram menos, começam a lactação efetiva mais rapidamente e, portanto, perdem menos peso.”

Outro gargalo que impede a amamentação na primeira hora está na formação de médicos, enfermeiros, assistentes. “É necessário ter uma equipe estimulada, bem informada, que se preocupe com esse procedimento, mas nem sempre isso ocorre”, lamenta José Alfredo Lacerda, neonatologista e professor da Universidade de Brasília. O entrosamento entre os profissionais na sala de parto é outro ponto primordial. “Um pede para o anestesista, no caso das cesarianas, ponderar na dose, o outro cuida da limpeza do local para evitar que o bebê se contamine”, diz Lélia.

Clarissa Kahn, que integra uma rede de mulheres chamada Parto do Princípio, lembra que as mães devem exigir o contato imediato para amamentação depois do parto se a criança estiver bem. “Ainda são poucos os hospitais preocupados com isso”, afirma a psicóloga e doula, profissional que acompanha mulheres em trabalho de parto. Francesca Felici, representante em Brasília de uma organização não-governamental internacional, a Liga do Leite, destaca a falta de informação das próprias gestantes. “Nem todas as mães sabem da importância da amamentação na primeira hora, especialmente as que não têm um bom pré-natal”, ressalta.

Os melhores índices de amamentação imediatamente após o parto estão nas regiões Norte e Nordeste. Para Lílian Cordova, técnica da área de aleitamento do Ministério da Saúde, o dado tem a ver com a quantidade de hospitais Amigo da Criança nesses locais. Para receber o título, a instituição precisa seguir 10 passos, entre eles incentivar a amamentação nos primeiros 60 minutos de vida. “Mais de 50% de todos os hospitais da rede no Brasil ficam no Norte e Nordeste, daí a explicação para os indicadores melhores”, afirma Lilian. No total, são 338 unidades batizadas de Amigo da Criança no país, 152 no Nordeste, 72 no Sudeste, 38 no Centro-Oeste, 53 no Sul e 23 no Norte.

O bebê se contamina pelo contato com a pele da mãe, fortalecendo seu sistema imunológico.
Fonte: Correio Braziliense