19 de abril de 2011

Rebecca Garcia fala sobre Educação - Necessidades e Desafios do Brasil







Pronunciamento feito pela Deputada Federal, Rebecca Garcia, do Partido Progressista (PP) do Amazonas, no Plenário da Câmara dos Deputados, no dia 19 de Abril de 2011. Confira na íntegra:

O Brasil ainda tem os olhos marejados pela tragédia de Realengo, no Rio de Janeiro, onde 12 crianças foram mortas em sala de aula e outras tantas ficaram feridas. A opinião pública exige que as autoridades brasileiras, a começar por este Congresso Nacional, passando pelos Estados e chegando às Prefeituras, tomem medidas capazes de aplacar os sentimentos de consternação, estarrecimento e indignação que tomam conta de todos.


Nada de decisões apressadas. É preciso pensar a tragédia de Realengo como História e lutar para que esses tristes fatos fiquem apenas na memória e não invadam o futuro de nossos filhos.
A primeira coisa que tem sido dita é que os países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos, não conseguiram evitar que, seguidamente, mentes doentias extravasem frustrações e paranóias as mais diversas em crianças inocentes. Esse é um reducionismo paralisante, um tiro na criatividade nacional e, ao mesmo tempo, um desafio às mentes sãs de nosso País.



Todos sabem e de tanto todo mundo saber a frase já se tornou lugar comum: a educação é o melhor caminho para solucionar problemas como esse. A diferença nesse caso é que está em nossas mãos formular as bases da mudança e garantir uma educação de qualidade. Está em curso neste Congresso Nacional a análise do Plano Nacional de Educação, PNE, que é decenal e visa projetar o que queremos para os educandos do Brasil na próxima década.

O ministro Fernando Haddad tem se empenhado, a base governista nesta Casa, da qual faço parte, tem ampla maioria, mas o PNE precisa acelerar e mexer fundo no sistema educacional brasileiro, conforme propõe o MEC. Porém, é preciso lembrar que a educação é um projeto de médio e longo prazo que perpassa governos, daí, a responsabilidade do Congresso em garantir Políticas Públicas de Estado.

Apresento aqui algumas sugestões, a partir de experiências vitoriosas, como a da Coréia do Sul, estudos que acabam de ser finalizados ou estão em pleno andamento e constatações de pesquisas recentes.



O Brasil avançou muito. Nosso país foi o terceiro que mais evoluiu em educação nos últimos 10 anos. Nossas metas estão sendo cumpridas, e um exemplo é a inclusão de crianças especiais que aumentou 493% segundo dados do Censo Escolar. Os indígenas já estão na escola, agora nosso desafio é garantir a qualidade do ensino; contudo, o Brasil tem 3 milhões e 700 mil crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola. São pobres, moram longe ou portadores de algum tipo de deficiência. Dos que entram na escola, 95% concluem a quarta série, 79% a oitava série e apenas 58% concluem o terceiro ano do ensino médio. Desses, 29% saem com a aprendizagem mínima em Língua Portuguesa e apenas 11% em Matemática, são dados do Movimento Todos pela Educação. Esse congresso em parceria com o Ministério da Educação e o Governo Dilma, trabalha pelo fortalecimento da educação do nosso país.


O que podemos fazer para acelerar o processo brasileiro de Educação? Aprender com os países que conseguiram essa aceleração. Em 1950, há apenas 61 anos, portanto, a Coréia do Sul estava destruída pela guerra civil, com a maior parte da população na miséria. Um habitante do país em cada três era analfabeto. Hoje, considerado um gigante econômico internacional, Seul pode se dar ao luxo de contar ao mundo que oito em cada 10 de seus cidadãos chegam à Universidade.

A virada começou com concentração dos recursos nos primeiros oito anos de estudos. Bons alunos obtiveram bolsas para seguir em frente. E os coreanos se tornaram os melhores alunos do mundo, não porque sejam superdotados, mas porque ficam oito horas por dia na escola. Foi a partir de atitudes como essas que a economia da Coréia começou a crescer, mostrando que a maior matriz do crescimento econômico está nas mentes que um país cultiva.

O Brasil precisa investir mais no Ensino Básico. Com este entendimento o Ministro da Educação pede que aumente de 5% para 7% o investimento público para educação. Melhorar o ensino básico é mais questão social e política do que financeira. O Governo Federal tem procurado com êxito democratizar o Ensino Superior. E agora está na hora de esta Casa contribuir e indicar o caminho do Ensino Básico.



O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, PIBID, que no momento só atende a alunos de universidades federais, precisa ser democratizado. É impossível ignorar certas constatações. Um juiz, promotor ou deputado, cujas atividades têm relevância e remunerações merecidas, começam toda a vida profissional pelas mãos de um professor. Por conta dessa distinção, todo aluno que se destaca quer logo virar juiz, promotor ou deputado, ficando para os que não conseguem aprovação nos disputados concursos públicos para essas categorias a missão de se tornar professor e educar a geração futura desses mesmos profissionais.






A mentalidade atual do Brasil paga bem ao aluno que se destaca. É preciso valorizar ao professor, tornar a profissão competitiva, para que a carreira passe a atrair, como primeira opção, os mais destacados, as melhores mentes, fazendo com que estas se juntem às exceções do presente e se tornem a regra de qualidade do futuro.



É valorizando os professores que vamos criar uma cultura capaz de atrair o melhor de nossa sociedade para o magistério. Não existem bons alunos, sem bons professores. O investimento em escola pública no Brasil pode e deve melhorar. Enquanto isso, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, 1,3% do PIB nacional produzidos em 2009 foram gastas com educação privada.



A média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, que reúne as nações mais ricas do planeta, foi de 0,9%. O Brasil investe tanto quanto a Austrália na educação privada e enquanto aquele país se tornou o 9º melhor colocado no ranking de leitura, nosso País ficou em 53º. A Alemanha gastou 0,7% e está na 20ª posição.


Esses dados abrangem mensalidades, do ensino básico à pós-graduação, cursos extras e material, segundo matéria do jornalista Fábio Takahashi, no jornal Folha de São Paulo, com base em estudo do Insper, Instituto de Ensino e Pesquisa, ex-IBMEC.


O Congresso Nacional, na elaboração do atual PNE, precisa pensar numa constatação. Segundo o estudo do Insper, 30% das famílias brasileiras gastam muito com a educação privada. Essas mesmas famílias, por outro lado, pagam os impostos que financiam a educação pública. Se obrigam a essa dupla tributação procurando dar o melhor para o filho, levados pela constatação corrente de que a escola pública nacional evoluiu muito, mas ainda precisa avançar.



Há 28 anos, em 1983, o psicólogo cognitivo e educacional norte-americano Howard Gardner escreveu o livro “Estruturas da Mente: a teoria das inteligências múltiplas”, mostrando que a avaliação do cérebro humano vai além dos testes de QI, o Quociente de Inteligência. Com base nessa teoria, depois aperfeiçoada por Gardner no livro “Cinco mentes para o futuro”, editado no Brasil em 2007, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), um avanço em termos de avaliação escolar no Brasil, precisa também avaliar as inteligências visual/espacial, musical, interpessoal, intrapessoal e corporal/cinestética, também apontadas pelo professor.



Aluno inteligente não é apenas aquele que tira as melhores notas em matemática e português, mas também aquele que se destaca no esporte, na matemática, na música, na informática e em outros aspectos da vida. O ser humano é muito mais que português e matemática.




Por falar nisso, até agosto deste ano todas as escolas brasileiras terão que voltar a ministrar música como disciplina obrigatória. Demonstração da sensibilidade de um governo preocupado em acertar, agora precisamos de professores aptos a exercer esse papel. É por essas e outras que, durante o estudo do PNE, este Congresso Nacional precisa adotar cautelas e se cercar ao máximo do auxílio de especialistas. Educação não se faz apenas por decreto.



Howard Gardner se tornou diretor do Projeto Zero da Universidade de Harvard, no qual profissionais dos mais diversos ramos do conhecimento, da pedagogia à física nuclear, da engenharia à biologia, estudam o mecanismo pelo qual o cérebro humano aprende.



A mais recente contribuição de Gardner à educação tem sido objeto de estudo detalhado e atenção dos dirigentes das melhores escolas do planeta. Ele afirma que a humanidade deve cultivar cinco tipos de mentes:


* A disciplinada, capaz de treinar para aperfeiçoar uma habilidade;


* A mente sintetizadora, que aprende como melhor executar a prioridade do momento e avançar para a próxima;


* A criadora, que busca forjar novos conhecimentos sobre criatividade, liderança, ética ou informática, promovendo rupturas criativas;


* A respeitosa, que trata do relacionamento com outros seres humanos, mostra a importância de trabalhar em conjunto e transmitir confiança nas outras pessoas;


* E, finalmente, a mente ética, que leva o formulador, como nós, parlamentares, a indagar quais são nossas obrigações e o que esperaríamos dos legisladores se estivéssemos do outro lado da mesa.



A educação vitoriosa do futuro, proposta por Howard Gardner, preparará o ser humano para ser disciplinado, sintetizador, criador, respeitoso e ético. Um exemplo de mente respeitosa é do presidente norte-americano Abraham Lincoln. Ele se elegeu presidente defendendo a abolição da escravatura e recebeu forte oposição dos interesses econômicos dependentes da mão de obra escrava. Quando chegou ao poder, todos esperavam que declarasse os escravos libertos, mas sua mente disciplinada o impeliu à paciente cautela, preservando a União, até que a abolição, seu compromisso ético de político sério, estivesse madura. Demonstração de que a sociedade precisa entender toda mudança para que faça parte dela.



Gostaria de pedir a atenção do Ilustríssimo Senhor Deputado e querido amigo Paulo Teixeira, do PT de São Paulo, para a história que vou contar, eleita um Best Seller pelo New York Times.
No Paquistão, país devastado por guerras e ameaças de guerras seguidas, além de convulsões sociais sem fim, o então montanhista Greg Mortenson se viu perdido em meio às montanhas. Foi acolhido em uma comunidade muito pobre, humilde e carente de tudo. Agradecido, decidiu em seu íntimo que retornaria àquele local para construir escolas, como forma de ajudar as pessoas que o acolheram tão bem.



É da tradição paquistanesa oferecer uma xícara de chá para as pessoas recebidas em casa. Quando elas se tornam amigas, o dono da casa oferece duas xícaras de chá. Greg Mortenson, que voltou muitas vezes ao Paquistão e tem construído escolas que mudam a visão de mundo naquela área dominada pelo Talibã, recebe agora, todas as vezes que visita um paquistanês, três xícaras de chá. Ele se tornou um membro daquelas famílias.



O Senhor, deputado Paulo Teixeira, teve sua vida ligada ao município de São Gabriel da Cachoeira, no dia 1º de abril deste ano, quando voltou ao Município pela terceira vez, levando consigo integrantes de diversos órgãos governamentais e disposto a criar políticas públicas de inclusão social no local, o povo daquele pedaço humilde da minha terra certamente lhe ofereceu a terceira xícara de chá.



A região do Alto Rio Negro, onde fica São Gabriel da Cachoeira, é uma das mais ricas em etnias indígenas do planeta. Neste, 19 de abril, em que comemoramos o Dia do Índio, gostaria de homenagear essa população oferecendo a esta casa um pouco da história peculiar desses povos, que vivem num universo diferente, entre o conhecimento tradicional e a cultura dos não-índios.



Muitos não conseguem viver num mundo, nem noutro, sem condições de preservar as tradições de seus ancestrais e impossibilitados de acessar o sistema educacional e cultural dos não-índios. A Escola Estadual Indígena Dom Pedro I, localizada na Região do Alto Solimões, na área rural do Município de Santo Antônio do Içá, é um símbolo dessa situação.



O Brasil inteiro ouviu a notícia de que essa escola foi a última colocada no Enem de 2010. Poucos souberam que ela é frequentada apenas por índios da etnia tikuna, para os quais a primeira língua é o tikuna, a segunda o espanhol e somente em terceiro lugar é que aparece o português, na qual eles aceitaram fazer a prova.




Moradores da fronteira com a Colômbia, esses índios, cuja escola fica localizada a duas horas e meia de barco da sede municipal – e duas horas e meia é o tempo que nós levamos de Manaus a Brasília, num avião comercial –, são na verdade heróis da fronteira nacional e merecem um tratamento todo especial por buscar o conhecimento e enfrentar o teste em situação tão desfavorável.


Não quero confundir este plenário com a geografia do meu Estado. São Gabriel da Cachoeira fica no Alto Rio Negro. Santo Antonio do Içá no Alto Solimões. Os dois rios estão próximos geograficamente, mas um morador de Santo Antonio do Içá precisará ir a Manaus, subindo o Solimões, para poder encontrar barco ou avião e viajar o mesmo tanto até o Alto Rio Negro. De barco, subindo o rio, gasta-se em torno de uma semana. De avião, custa muito caro e é tão longe quanto viajar de Manaus a Porto Alegre.



Gilberto Mestrinho, falecido senador e ex-governador do Amazonas por três vezes, quando foi indagado sobre o risco de o vibrião do cólera chegar até Manaus, a partir das fronteiras brasileiras com o Peru ou a Colômbia, soltou uma frase lapidar: “Se ele vier pelo rio Negro não vai sobreviver à acidez da água. Se vier pelo Solimões é tão longe que vai morrer de solidão”.
São Gabriel da Cachoeira e Santo Antonio do Içá, apesar dessa distância, que é mais logística que geográfica, são regiões unidas pela luta dos índios em busca da sobrevivência cultural e mesmo física.



Em São Gabriel, como bem sabe o deputado Paulo Teixeira, são falados 22 idiomas diferentes. Desde 2003, têm status de língua oficial, ao lado do português, o nheengatu, o tukano e o baniwa. O Amazonas é um Estado indígena. Houve um tempo em que nosso povo ficava ofendido quando alguém perguntava se encontraria muitos índios pelas ruas de Manaus, quando fosse até lá. Hoje, alguém ainda pergunta se pode trazer artesanato indígena da cidade, mas o povo tem orgulho em lembrar que além do artesanato tradicional nossos índios estão produzindo os artesanatos conhecidos pelo não-índios como CD, DVD, TV de LCD, TV de LED e motocicleta, entre outros.


Foi o índio, misturado ao não-índio, que fez da Zona Franca de Manaus um modelo vitorioso, em grande parte responsável pela preservação da Floresta Amazônica, um patrimônio da humanidade. O índio amazonense e brasileiro recebe, neste 19 de abril, a nossa mais sincera e justa homenagem.



Volto ao seu exemplo, deputado Paulo Teixeira, assim como o exemplo de Greg Mortenson, para lembrar que eles mostram o quanto é possível fazer pela coletividade, com esforço, dedicação e compromisso. Que seja assim da parte de todos nós, neste Congresso Nacional, na análise e criação do Plano Nacional de Educação, que está em nossas mãos.



Um homem com boa vontade e determinação através da educação é capaz de mudar o mundo. Vamos construir uma educação brasileira transformadora e capaz de ocupar as mentes para evitar tragédias como a que ocorreu em Realengo, no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que promova a inclusão das populações indígenas e outras esquecidas por nossa sociedade. O Brasil pede isso. O Brasil precisa de todos nós.



Muito obrigada.


Deputada Federal Rebecca Garcia



Foto: Agência Câmara