Pronunciamento feito pela Deputada Federal, Rebecca Garcia, do Partido Progressista (PP) do Amazonas, no Plenário da Câmara dos Deputados, dia 26 de Fevereiro de 2008, sobre a urgência na aprovação do Estatuto do Índio.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Os critérios para definição de prioridades no Congresso Nacional precisam ser reavaliados, pois inúmeras matérias de grande interesse nacional estão relegadas a um segundo plano, de forma injustificável. A questão indígena é a mais emblemática no momento, pois está em vigor a Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, quando o presidente da República era o General Emílio Garrastazu Médici. Um Estatuto do Índio ultrapassado, conflitante com o Código Civil Brasileiro e até mesmo com a Constituição Federal de 1988, que jogou a “pá de cal” na Lei, deixando a questão indígena entregue à sua própria sorte.
§ A Lei 6.001, ainda que tenha sido promulgada com o propósito de preservar a cultura dos índios e integrá-los, progressiva e harmonicamente, à comunhão nacional, seguiu os princípios estabelecidos pelo velho Código Civil, de 1916, segundo o qual, os índios, sendo relativamente capazes, deveriam ser tutelados por um órgão indigenista. Há, portanto erros históricos e jurídicos no Estatuto, que precisam ser corrigidos urgentemente, pois a Constituição de 88, ao aprovar o capítulo para os índios, estabeleceu o fim da política de transformar índios em brancos. É inconstitucional a tentativa de integração dos índios à comunhão nacional, como prevê o tal Estatuto.
§ Senhor Presidente, o Estatuto do Índio está velho e ultrapassado, obrigando uma nova lei, que garanta a sobrevivência dos índios como sociedades diferenciadas, cabendo ao Estado tão somente os serviços básicos de educação e saúde, além de apoiar os projetos culturais, econômicos e ambientais dos índios. Uma atuação de fomento, não de tutor.
§ Sim, porque os índios são considerados incapazes e precisam ser tutelados, de acordo com o Estatuto em vigor. Uma tutela vergonhosa, que fere os direitos dos índios e injustificável nos tempos atuais. E nós, parlamentares, somos os responsáveis por manter o atual Estatuto, talvez por falta de vontade política, ou, quem sabe, porque os índios representam uma minoria sem representatividade política. A Constituição está completando 20 anos, a Funai vai comemorar 40 anos de criação e o Estatuto do Índio está completando 35 anos. Estamos bastante atrasados e nossos atos ainda são extremamente tímidos, diante da urgência que o caso requer.
§ Senhoras e Senhores Deputados. Nos últimos 40 anos o mundo experimentou uma autêntica revolução tecnológica, sofrendo modificações profundas em sua organização social e política. Os avanços de conscientização do ser humano também foram expressivos e precisam ser considerados como instrumentos que nos obriga a uma tomada de atitude urgente sobre a questão indígena. Veja bem: Há 35 anos, a palavra de ordem do regime militar na Amazônia era “Integração Nacional”. Hoje, a palavra de ordem é “preservar o meio ambiente”. É, portanto, imensa a distância de conscientização sobre o que acreditávamos em 1973 e sobre o que acreditamos hoje.
§ A questão da tutela não cabe mais no mundo em que vivemos. A tutela atrapalha a livre expressão política aos índios, impede a administração de seus territórios, não lhes dá o direito de acesso aos serviços públicos, ao mercado de trabalho e nem mesmo às linhas oficiais de crédito. Reduz – vergonhosamente – a capacidade civil de nossos índios, que não são incapazes. São apenas diferenciados e como tal devem ser tratados legalmente. Nos últimos 40 anos o mundo evoluiu bastante e a evolução chegou também nas aldeias indígenas. Eles evoluíram e querem ser olhados com o devido respeito e consideração.
§ Senhor Presidente, existem duas propostas que visam modificar e criar um novo Estatuto do Índio. O Projeto de Lei 2.057, de 1991, é a primeira. A segunda é uma proposta alternativa apresentada pelo governo, que está mais para sugestão do que para legislação propriamente dita. Mas, extremamente válida, pois ouviu representantes da comunidade indígena, envolvendo todos os segmentos em uma ampla discussão do tema. Elas têm vários pontos em comum, como a garantia do direito autoral e a proteção ao conhecimento tradicional. Também asseguram o direito do índio participar de discussões sobre questões indígenas e protege os recursos naturais. O fortalecimento da Funai é outro ponto importante, garantindo à Fundação a função fiscalizadora, permitindo que ela proteja realmente as terras indígenas, com uma ação mais abrangente, podendo multar os invasores.
§ O que vemos atualmente, no entanto, são discussões tímidas e isoladas para tratar do assunto. Alguns querem discutir apenas a questão dos garimpos e das mineradoras. São questões que não podem ser analisadas isoladamente, sob pena de incorrermos ainda mais em nossa omissão. As discussões isoladas enfraquecem o movimento por uma lei ampla e definitiva sobre a questão indígena. Precisamos buscar uma solução e não podemos fatiar o Estatuto, pois ele está totalmente ultrapassado e precisa de um texto moderno e amplo, que espelhe a realidade atual.
§ As estimativas atuais – Senhor Presidente – indicam que 85% das terras indígenas sofrem algum tipo de intrusão de terceiros e a Funai não tem dispositivos legais para defender os índios. O Estatuto teve importância e relevância há 35 anos, hoje não tem mais, pois a temática indígena ascende nos fóruns nacionais e internacionais. O Estado não tem como tutelar 215 etnias que habitam o território nacional. Precisamos de um novo Estatuto que regule as relações entre Estado e índios de forma definitiva. Um Estatuto que defina o papel do Estado apenas como agente de fomento, viabilizando serviços básicos essenciais. O índio não precisa ser tutelado, pois ele tem maturidade para discutir as políticas de igual para igual.
§ É um absurdo imaginarmos que nós, brasileiros, nos orgulhamos de vivermos em um País livre, democrático e que respeita a cidadania e um índio brasileiro só poder sair do País com autorização do órgão tutor. O estatuto mancha até o sentimento de liberdade que tanto nos orgulha. O Estatuto fere também o Código Civil, para quem só menor de 18 anos, viciado, pródigo ou excepcional podem ser considerados incapaz. O mesmo Código que reconhece como civilmente emancipados os maiores, igual a 18 anos é contestado pelo Estatuto, para quem só com 21 anos o índio poderá entrar, através da Funai, com o pedido de reconhecimento de capacidade civil plena.
§ Senhoras e Senhores Deputados, não dá mais para continuarmos fazendo vistas grossas ao que está acontecendo. Não podemos comemorar os 20 anos da Constituição se pecamos e negligenciamos com ela. É necessário e urgente reformulamos e atualizarmos o Estatuto do Índio, para que ele fique em completa harmonia com a Constituição Federal e com o Código Civil. Acima de tudo, precisamos resolver a questão, até mesmo para ajudarmos a reparar os erros históricos que foram cometidos contra a comunidade indígena brasileira. O ultrapassado Estatuto do Índio, por si só, exige de nós, parlamentares, uma posição firme e prioritária, para que possamos, ainda no primeiro semestre, darmos a merecida cidadania à comunidade indígena, sem a qual a Constituição não será plenamente cidadã.
Muito obrigada.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Os critérios para definição de prioridades no Congresso Nacional precisam ser reavaliados, pois inúmeras matérias de grande interesse nacional estão relegadas a um segundo plano, de forma injustificável. A questão indígena é a mais emblemática no momento, pois está em vigor a Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, quando o presidente da República era o General Emílio Garrastazu Médici. Um Estatuto do Índio ultrapassado, conflitante com o Código Civil Brasileiro e até mesmo com a Constituição Federal de 1988, que jogou a “pá de cal” na Lei, deixando a questão indígena entregue à sua própria sorte.
§ A Lei 6.001, ainda que tenha sido promulgada com o propósito de preservar a cultura dos índios e integrá-los, progressiva e harmonicamente, à comunhão nacional, seguiu os princípios estabelecidos pelo velho Código Civil, de 1916, segundo o qual, os índios, sendo relativamente capazes, deveriam ser tutelados por um órgão indigenista. Há, portanto erros históricos e jurídicos no Estatuto, que precisam ser corrigidos urgentemente, pois a Constituição de 88, ao aprovar o capítulo para os índios, estabeleceu o fim da política de transformar índios em brancos. É inconstitucional a tentativa de integração dos índios à comunhão nacional, como prevê o tal Estatuto.
§ Senhor Presidente, o Estatuto do Índio está velho e ultrapassado, obrigando uma nova lei, que garanta a sobrevivência dos índios como sociedades diferenciadas, cabendo ao Estado tão somente os serviços básicos de educação e saúde, além de apoiar os projetos culturais, econômicos e ambientais dos índios. Uma atuação de fomento, não de tutor.
§ Sim, porque os índios são considerados incapazes e precisam ser tutelados, de acordo com o Estatuto em vigor. Uma tutela vergonhosa, que fere os direitos dos índios e injustificável nos tempos atuais. E nós, parlamentares, somos os responsáveis por manter o atual Estatuto, talvez por falta de vontade política, ou, quem sabe, porque os índios representam uma minoria sem representatividade política. A Constituição está completando 20 anos, a Funai vai comemorar 40 anos de criação e o Estatuto do Índio está completando 35 anos. Estamos bastante atrasados e nossos atos ainda são extremamente tímidos, diante da urgência que o caso requer.
§ Senhoras e Senhores Deputados. Nos últimos 40 anos o mundo experimentou uma autêntica revolução tecnológica, sofrendo modificações profundas em sua organização social e política. Os avanços de conscientização do ser humano também foram expressivos e precisam ser considerados como instrumentos que nos obriga a uma tomada de atitude urgente sobre a questão indígena. Veja bem: Há 35 anos, a palavra de ordem do regime militar na Amazônia era “Integração Nacional”. Hoje, a palavra de ordem é “preservar o meio ambiente”. É, portanto, imensa a distância de conscientização sobre o que acreditávamos em 1973 e sobre o que acreditamos hoje.
§ A questão da tutela não cabe mais no mundo em que vivemos. A tutela atrapalha a livre expressão política aos índios, impede a administração de seus territórios, não lhes dá o direito de acesso aos serviços públicos, ao mercado de trabalho e nem mesmo às linhas oficiais de crédito. Reduz – vergonhosamente – a capacidade civil de nossos índios, que não são incapazes. São apenas diferenciados e como tal devem ser tratados legalmente. Nos últimos 40 anos o mundo evoluiu bastante e a evolução chegou também nas aldeias indígenas. Eles evoluíram e querem ser olhados com o devido respeito e consideração.
§ Senhor Presidente, existem duas propostas que visam modificar e criar um novo Estatuto do Índio. O Projeto de Lei 2.057, de 1991, é a primeira. A segunda é uma proposta alternativa apresentada pelo governo, que está mais para sugestão do que para legislação propriamente dita. Mas, extremamente válida, pois ouviu representantes da comunidade indígena, envolvendo todos os segmentos em uma ampla discussão do tema. Elas têm vários pontos em comum, como a garantia do direito autoral e a proteção ao conhecimento tradicional. Também asseguram o direito do índio participar de discussões sobre questões indígenas e protege os recursos naturais. O fortalecimento da Funai é outro ponto importante, garantindo à Fundação a função fiscalizadora, permitindo que ela proteja realmente as terras indígenas, com uma ação mais abrangente, podendo multar os invasores.
§ O que vemos atualmente, no entanto, são discussões tímidas e isoladas para tratar do assunto. Alguns querem discutir apenas a questão dos garimpos e das mineradoras. São questões que não podem ser analisadas isoladamente, sob pena de incorrermos ainda mais em nossa omissão. As discussões isoladas enfraquecem o movimento por uma lei ampla e definitiva sobre a questão indígena. Precisamos buscar uma solução e não podemos fatiar o Estatuto, pois ele está totalmente ultrapassado e precisa de um texto moderno e amplo, que espelhe a realidade atual.
§ As estimativas atuais – Senhor Presidente – indicam que 85% das terras indígenas sofrem algum tipo de intrusão de terceiros e a Funai não tem dispositivos legais para defender os índios. O Estatuto teve importância e relevância há 35 anos, hoje não tem mais, pois a temática indígena ascende nos fóruns nacionais e internacionais. O Estado não tem como tutelar 215 etnias que habitam o território nacional. Precisamos de um novo Estatuto que regule as relações entre Estado e índios de forma definitiva. Um Estatuto que defina o papel do Estado apenas como agente de fomento, viabilizando serviços básicos essenciais. O índio não precisa ser tutelado, pois ele tem maturidade para discutir as políticas de igual para igual.
§ É um absurdo imaginarmos que nós, brasileiros, nos orgulhamos de vivermos em um País livre, democrático e que respeita a cidadania e um índio brasileiro só poder sair do País com autorização do órgão tutor. O estatuto mancha até o sentimento de liberdade que tanto nos orgulha. O Estatuto fere também o Código Civil, para quem só menor de 18 anos, viciado, pródigo ou excepcional podem ser considerados incapaz. O mesmo Código que reconhece como civilmente emancipados os maiores, igual a 18 anos é contestado pelo Estatuto, para quem só com 21 anos o índio poderá entrar, através da Funai, com o pedido de reconhecimento de capacidade civil plena.
§ Senhoras e Senhores Deputados, não dá mais para continuarmos fazendo vistas grossas ao que está acontecendo. Não podemos comemorar os 20 anos da Constituição se pecamos e negligenciamos com ela. É necessário e urgente reformulamos e atualizarmos o Estatuto do Índio, para que ele fique em completa harmonia com a Constituição Federal e com o Código Civil. Acima de tudo, precisamos resolver a questão, até mesmo para ajudarmos a reparar os erros históricos que foram cometidos contra a comunidade indígena brasileira. O ultrapassado Estatuto do Índio, por si só, exige de nós, parlamentares, uma posição firme e prioritária, para que possamos, ainda no primeiro semestre, darmos a merecida cidadania à comunidade indígena, sem a qual a Constituição não será plenamente cidadã.
Muito obrigada.
Rebecca Garcia