19 de novembro de 2008

Maria da Penha: Sem tempo para a vida pessoal, mas feliz pela causa

Recebida por centenas de pessoas, a maioria mulheres, a bioquímica cearense Maria da Penha, convidada especial para uma audiência pública realizada no auditório da Assembléia Legislativa do Estado, não tem mais tempo para a vida pessoal.

Foi o que ela revelou durante uma entrevista coletiva, concedida antes de entrar no auditório Deputado Belarmino Lins, onde se encontravam presentes diversas autoridades e políticos, para discutir a violência doméstica.

Ladeada pela deputada estadual Conceição Sampaio (PP) e pelas deputadas federais Vanessa Grazziotin (PCdoB) e Rebecca Garcia (PP), Maria da Penha, paraplégica em conseqüência de violências sofridas por parte do marido, foi homenageada com seu nome sendo dado à lei que pune com mais rigor os homens que cometem violência contra as mulheres.

Ao final da audiência pública, Maria da Penha recebeu flores de mulheres de Iranduba e também uma placa de homenagem, oferecida pela Assembléia Legislativa. Ao responder sobre a mudança na sua vida após a luta que acabou se tornando a lei 11340/2006, conhecida como Maria da Penha, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional, ela respondeu: "Realmente eu não tenho mais a minha vida. Eu vivo a vida das mulheres. Eu realmente vivo muito cansada e atrapalhada para conciliar a minha vida pessoal com as viagens, mas com certeza é uma boa causa e eu não me arrependo nada do que aconteceu, mesmo não tendo vida particular".

Maria da Penha contou que tem viajado por todo o Brasil e nas cidades onde a lei que tem o seu nome é aplicada, já se pode perceber a diferença: as denúncias de violência doméstica aumentaram, exatamente porque agora as mulheres têm a quem recorrer. Antes, não tinham. Inclusive no judiciário. A uma platéia atenta, Maria da Penha contou que, em maio de 1983, então com 38 anos, acordou com um tiro nas costas.

Gravemente ferida, ficou quatro meses hospitalizada. Depois o marido, colombiano naturalizado brasileiro, a levou para casa e a deixou em cárcere privado. Então soube que o marido justificara o tiro dizendo que se tratou de assalto, mas a polícia desconfiou e o indiciou, por tentativa de homicídio.

Mas o marido, condenado em dois julgamentos, com diferença de oito anos entre um julgamento e outro, continuava em liberdade. Por isso, segundo ela, sentia-se vítima pela segunda vez, agora da Justiça, durante 13 anos. Enfim, recorreu ao tribunal internacional. Sua história, como de outras mulheres que não denunciavam as violências sofridas pelos companheiros, era assim porque não havia a quem recorrer, insistiu, garantindo que agora é diferente e a Justiça tem de cumprir a lei. Não pode continuar uma situação em que, ainda hoje, no Brasil, a cada 15 segundos uma mulher é espancada.

Maria da Penha disse que se sentiu muito feliz em ver o seu nome transformado em lei, sentindo-se ainda mais motivada a continuar esse trabalho. A lei, insistiu, não é para punir os homens, mas os homens que praticam violência contra a mulher.

"É para punir os homens agressores, que não sabem conviver com sua família e se acham donos da mulher. A lei é uma saída contra a violência urbana, porque a violência urbana passa pela violência doméstica", declarou.

Avós e bisavós - Maria da Penha veio a Manaus atendendo convite da deputada Conceição Sampaio, presidente da Comissão dos Direitos da Mulher, da Assembléia Legislativa do Amazonas.

Conceição informou que a comissão presidida por ela funciona como um centro de atendimento à mulher. O Estado, explicou, já conta com uma Vara Especializada no atendimento à mulher, assim como uma Delegacia e a Casa Abrigo, o que mereceu elogios de Maria da Penha. "Quero dizer que é uma honra trazer aqui o símbolo da luta de combate à violência doméstica e familiar", afirmou Conceição, ao agradecer a presença de representantes de vários movimentos sociais, especialmente de mulheres, além de colegas deputados e vereadores de Manaus e do interior.

Em um breve discurso, Vanessa Grazziotin disse que as mulheres ainda sofrem muito, mas as nossas bisavós, avós e mães sofreram muito mais, na medida em que não podiam votar, nem trabalhar fora, por exemplo. Mas as mulheres de agora ainda enfrentam muitas barreiras. "Hoje temos direito de trabalhar, de falar, de casar, de separar, mas a gente ainda ganha menos. A gente ganha menos 30% do que ganham os homens. A mulher sofre a violência nas ruas, a que a sociedade impõe. Ou seja, naquele lugar onde deveria ser de maior proteção, que é a sua casa. Nós sofremos dentro de nossas casas", afirmou Vanessa.

Para a também deputada federal Rebbeca Garcia, a luta tem de ser pela igualdade de gêneros. "Quero agradecer a Maria da Penha, que emprestou seu rosto, sua voz, para representar e para falar pelas mulheres brasileiras que estão hoje caladas, sofrendo, no abandono das suas casas. Que tristeza estar abandonada na sua casa. Que cada uma que está aqui, tenha ciência da sua luta que vem transformando este país", declarou Rebecca.

Mulheres representando diversas entidades, como a Defensoria Pública, também discursaram para um auditório de 350 lugares, lotado com mais de oitocentas pessoas, que se acomodaram em pé nos corredores laterais e sentadas no corredor central e à frente da mesa dos trabalhos.

A audiência foi presidida pelo presidente da Assembléia Legislativa, Belarmino Lins (PMDB), e estiveram presentes os deputados Wallace Souza (PP), Sinésio Campos (PT), Vicente Lopes (PMDB), Therezinha Ruiz (DEM), Walzenir Falcão (PTB), Luiz Castro (PPS), Ricardo Nicolau (PR), José Lôbo (PCdoB), os vereadores de Manaus Lúcia Antony (PCdoB) e Jorge Luiz (PRB), a vereadora eleita Socorro Sampaio (PP) e outras vereadoras do interior do Estado.

Fonte: Diretoria de Comunicação da ALEAM