20 de novembro de 2008

Maria da Penha, um exemplo, uma lição de vida

Nesta segunda-feira, tive a honra de receber na minha cidade a Maria da Penha Maia Fernandes em uma Audiência Pública. Este foi um momento histórico, em que os homens e mulheres amazonenses receberam a heroína da luta e da resistência das mulheres brasileiras, a nossa querida e muito bem-vinda Maria da Penha. Aproveito então para falar sobre dois verbos, ambos presentes no livro onde nossa homenageada conta sua história. O livro se chama, com muita propriedade, “Eu sobrevivi... posso contar”. Falo, portanto, dos verbos sobreviver e contar.
A luta da mulher brasileira, Senhoras e Senhores Deputados, é uma luta de resistência. Uma luta de sobrevivência. No lar, no trabalho, junto aos filhos, marido e patrões, essa heroína precisa sobreviver à pressão de uma sociedade que ainda guarda muito de machista, para lutar por um lugar ao sol.

A sobrevivência de que falo vai, aos poucos, se impondo. As conquistas da mulher brasileira, frutos da insistência em sobreviver, vêm de muito tempo. Para se ter uma idéia, só em 1827 a legislação brasileira admitiu a educação de meninas, embora ainda apenas para o Ensino Básico, sem nenhuma garantia de acesso aos níveis médio e superior. Onze anos depois, em 1838, graças à luta da professora Nísia Floresta, nascia no Rio Grande do Norte a primeira escola exclusiva para meninas, o Colégio Augusto. Há exatos 129 anos, em 1879, o governo foi obrigado a abrir as instituições de ensino superior às mulheres, embora as que seguiam esse caminho fossem vítima da desaprovação social.

Em 1907, uma greve de costureiras pedia para as mulheres o direito à jornada de trabalho de oito horas diárias. E em 1920, elas chegaram ao movimento sindical.

Em 1922, o movimento feminista brasileiro ganha em Berta Luz, bióloga e zoóloga, uma de suas principais líderes e fundadora da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.

Somente em 1932, sob governo de Getúlio Vargas, em 24 de fevereiro, com a promulgação de novo código eleitoral, a mulher garantiu o direito ao voto. 1932 foi também o ano em que a nadadora Maria Lenk, aos 17 anos, embarcou para Los Angeles como única mulher e mascote da delegação olímpica, tornando-se a primeira atleta brasileira numa Olimpíada.

Observem, Senhoras e Senhores, que a Assembléia Constituinte de 1934 assegurou o princípio da igualdade entre os sexos, o direito ao voto feminino, a regulamentação do trabalho feminino e a equiparação salarial entre homens e mulheres. No entanto, 28 anos depois, em 1962, suprimiu-se do Código Civil a Lei da Mulher Casada, que a considerava incapaz, comparada a menores de idade.

Este é um pequeno e resumido relato das inúmeras conquistas obtidas pela mulher brasileira, nessa luta de sobrevivência que dura tanto tempo.

Abordo agora o verbo contar, tão bem empregado por Maria da Penha no título de seu livro, “Eu sobrevivi... posso contar”.

A mulher tem sido amordaçada ao longo da história. Falar, contar, revelar, conversar, denunciar, todos eles, são verbos tabus nas vidas das mães, irmãs, companheiras e filhas brasileiras.
Observem que somente em 1985, uma data tão próxima que, diante da perspectiva histórica parece que foi ontem, as mulheres conquistaram a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Foi também o ano em que surgiu a primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM), em São Paulo.

Em 1995 foi aprovada a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, conhecida como a Convenção de Belém do Pará.

Em 2002, há seis anos, o novo Código Civil acabou com o direito do homem de mover ação para anular o casamento, se descobrisse que a mulher não era virgem, termo presente no antigo Código Civil, de 1916.

É incrível, mas só em 2004 foi extinta a expressão "mulher honesta" do Código Penal, em vigor desde 1940. Os artigos 205, 206 e 207 desse código exigiam que a mulher deveria provar ser honesta, ou seja, virgem, para poder processar seu agressor.

Abro um parênteses para lembrar que, em 1979, a amazonense Eunice Michillis tornou-se a primeira senadora brasileira, defendendo, sobretudo, a cidadania feminina.

E, finalmente, a luta das mulheres deságua na Lei Maria da Penha, a Lei 11.340, sancionada no dia 7 de agosto de 2006.

Sobreviver e contar. Maria da Penha sintetiza toda essa luta de resistência e de disposição para enfrentar os tabus, na luta que atravessou o País e chegou à OEA, Organização dos Estados Americanos, vergando muitos dos obstáculos às conquistas femininas brasileiras.

A mulher brasileira, cada vez mais, baseada em exemplos como estes que citei aqui e que se vêem de forma tão magnífica personificados em Maria da Penha, deve lutar mais e mais pelos seus direitos e pela igualdade social. Pode dizer, com o peito estufado e em alta voz: sobrevivi, posso contar.

Mulher brasileira e amazonense resiste, sobrevive, luta. A história nos dá razão. Maria da Penha, muito obrigada.

Rebecca Garcia