19 de janeiro de 2009

Artigo: A crise e a dona-de-casa

Todo estudante de economia, em algum momento do curso formal ou do aprendizado do dia-a-dia, vai encontrar a expressão “fazer como a dona-de-casa”. Não é exagero. Elas possuem o condão de acionar a mágica capaz de transformar centavos em alimentos para a família e de colocar em ordem a desordem do dia-a-dia. Gostaria de deitar um olhar sobre a crise, sob a perspectiva dessa heroína e daí buscar lições para a administração pública, na qual nem todos os brasileiros estão envolvidos, mas da qual todos sentem os reflexos.

Milhões de mães das periferias das grandes cidades do Terceiro Mundo, os países subdesenvolvidos, oferecem um rico laboratório. No Nordeste ou no interior do Amazonas é um “case” infindável, uma façanha digna de estudo, o jogo de cintura dessas mulheres para conseguir criar os filhos que, não raramente, chegam à dezena.

Se antes havia a natureza farta, seja pelos frutos da terra ou pela abundância dos cardumes, em piracema ou não, agora esse manancial rareia. E a crise econômica coloca o mundo na perspectiva da dona-de-casa, tendo que recontar os recursos financeiros disponíveis para tocar a vida.

A primeira providência que todos estão tomando é reavaliar a receita. Municípios, Estados e União estão atentos aos números resultantes da falta de crédito bancário e da prudência do comércio e da indústria – que os especialistas consideram o aspecto psicológico da crise. É normal que orçamentos estejam sendo refeitos e medidas de socorro sejam providenciadas.

A dona-de-casa sabe que não poderá contar com o dinheiro do marido, desempregado, tendo que racionar o resultante da indenização – se houver – para os próximos meses.

Esse necessário enxugamento mostra várias lições. A primeira e mais evidente é que havia gorduras a serem cortadas. Em casa, isso pode ser traduzido com alguns potes de sorvetes, requeijão e congêneres na geladeira ou na crescente obesidade da população nacional.

No serviço público, talvez o valor do custeio da máquina administrativa tenha sido inflado para abrigar amigos ou correligionários e esteja permeável à fuga de material de expediente ou mesmo servindo um figurado “cafezinho supervalorizado”.

É possível viver com menos. A crise traz a obrigatoriedade de enxugamento.

O brasileiro que se acostumou a viver na inflação, correndo sempre atrás do custo do dinheiro, estava se adaptando à bonança muito rapidamente, se olharmos da perspectiva histórica. Os novos tempos trarão o equilíbrio, o centro da balança entre o crescimento da base de consumo na população que não consumia e algum esbanjamento da classe média.

Os governos devem ficar atentos a esses movimentos. Economistas e sociólogos, na academia ou não, têm amplo material de estudo à mão. Certamente os mestrados dessas áreas trarão dissertações muito mais robustecidas pela realidade e os doutorados se debruçarão sobre teses extremamente apegadas ao cotidiano.

Vejo um momento de arregaçar as mangas e construir nova base para o desenvolvimento brasileiro. Longe do ufanismo de um “pra frente Brasil” ou de quaisquer outros dísticos de efeito que tenham sido proferidos. É hora do pé no chão necessário, urgente e pragmático, onde cabe mais a ação rápida e consciente que as palavras jogadas ao ar.

Rebecca Garcia
Artigo publicado no jornal Diário do Amazonas