18 de maio de 2009

Artigo: Anamã

A enchente chega ao auge. O Amazonas tem 46 Municípios atingidos em cheio. Os dados são cruéis: 30 mil domicílios e 60.800 famílias foram afetados, num total de 304 mil pessoas. Estima-se perto de 9 mil desabrigadas. Estou seguindo para Anamã, que tem 100% da sede submersos, para ver de perto esse local emblemático da calamidade que o Estado atravessa.

Naqueles idos de 1953, quando ocorreu a cheia recorde, o Amazonas era outra coisa. O Estado vivia as agruras provocadas pelo encerramento do segundo ciclo da Borracha (1942-1945). O interior estava sendo abandonado. Os soldados da borracha sobreviventes buscavam ou a capital ou seus Estados de origem. A população amazonense, por conta disso, devia girar em torno dos 300 mil habitantes, se muito, uma vez que no ano de criação da Zona Franca (1968) os manauaras eram em torno de 200 mil.

Hoje, quando a população estadual passa de 3,2 milhões, segundo o IBGE (2007), é natural que o impacto seja exponencialmente maior. Um dos principais aspectos é o sanitário. Nossas cidades avançam seguindo a calha do rio. Com isso, as periferias nos Municípios interioranos também estão localizadas nas margens, o que é diferente da capital, onde a expansão se deu para a terra firme. Hoje, devido à subida das águas, os sanitários estão debaixo d’água. Temo, e as autoridades sanitárias têm revelado essa preocupação, pela contaminação por doenças de veiculação hídrica, no momento da seca ou mesmo agora.

Na busca de informações sobre Anamã encontro um dado curioso. O Município está localizado a apenas 162 quilômetros de Manaus. Em linha reta. Imagino um paulista fazendo as comparações: Campos do Jordão está a 167 quilômetros de São Paulo e se chega lá – dependendo do trânsito na saída da capital – em mais ou menos duas horas. Esse tempo precisa ser devidamente multiplicado, nas distâncias amazonenses, percorridas de barco, navegando, no caso da viagem sentido Manaus-Anamã subindo o rio, contra a corrente.

Anamã tem 8.152 habitantes. Mais de 7 mil foram afetados. Li, consternada, o depoimento do único médico da cidade, Franz Schubert, informando que praticamente todos os dias são registrados aproximadamente 30 casos de pessoas com sintomas de diarréia e virose. "A água contaminada é o principal causador dessas doenças e outras podem surgir, como hepatite, principalmente quando a água baixar", informou Schubert ao Diário do Amazonas. Os casos de picadas de animais, como cobras e escorpiões, acrescenta o relato do jornal, também são comuns. "Tivemos oito casos somente este ano, pois esses animais precisam de lugares secos", completou o médico.

Nem a tragédia, porém, consegue tirar o aspecto histórico do momento. Todo amazonense deveria viajar pelo beiradão, observando o nível das águas, gravando o avanço incrível pela terra até então firme.

A enchente é histórica. Falaremos dela para nossos filhos, como falaram nossos pais acerca da de 1953? É uma incógnita, cuja chave está na influência humana nesse fenômeno, que muitos já creditam ao aquecimento global.

Vou a Anamã levando solidariedade àquela população. Vamos ajudá-la.


Rebecca Garcia
Artigo publicado no jornal Diário do Amazonas