30 de setembro de 2008

Uma ''revolução'' para os livros

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva promete que, até 2010, todos os municípios brasileiros terão uma biblioteca pública. Acordo que unifica a ortografia em oito países é assinado e passa a valer em 2009

Lula com Cícero Sandroni, da ABL: “Palavra puxa palavra. Uma idéia traz outra. E assim se faz um livro, um governo ou uma revolução”

Entre pompa e fardões, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, durante sessão solene da Academia Brasileira de Letras (ABL), no Centro do Rio, que homenageou o centenário da morte de Machado de Assis e promulgou o Acordo Ortográfico dos Países de Língua Portuguesa, que fará uma “revolução” dos livros no Brasil até o fim de seu segundo mandato. Lembrando o passado pobre e proletário de Machado de Assis, Lula arrancou aplausos dos imortais e convidados reunidos no Salão Nobre do Petit Trianon ao citar o maior escritor brasileiro: “Palavra puxa palavra. Uma idéia traz outra. E assim se faz um livro, um governo ou uma revolução”. E emendou: “Façamos juntos a revolução do livro e da leitura em nosso país”.

Lula prometeu que, até 2010, todos os 5,5 mil municípios brasileiros terão pelo menos uma biblioteca pública. O presidente, que só tem o diploma primário e o curso de torneiro mecânico do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), fez sua terceira visita à casa que representa o saber nacional — a primeira ocorreu no velório do jurista Raymundo Faoro e a outra há exatamente um ano, na comemoração dos 110 anos da ABL. Era, segundo ele, uma demonstração da importância que dá à educação. “A Academia encarna a gratidão do país a todos aqueles que alimentam a inteligência nacional”, disse Lula.

“Com sua agenda tão cheia, sabemos que foi um grande esforço”, reconheceu o presidente da ABL, Cícero Sandroni, numa referência indireta à crise econômica mundial. Num dos atos mais emocionantes da noite, Lula recebeu do ex-presidente da República, escritor e acadêmico José Sarney a medalha marcando os 100 anos da morte de Machado.

Transição - Em mais um passo na difícil tarefa de unificação do idioma português, Lula assinou um decreto que estabelece o cronograma para a vigência do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa e orienta sua implantação. Assinado em 16 de dezembro de 1990, o acordo busca unificar o registro escrito nos oito países do planeta que falam, cada um à sua maneira, o português — Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. O acordo deveria vigorar a partir de 1994, mas divergências entre as partes impediram o cumprimento do prazo. Em Portugal, o acordo foi aprovado em maio deste ano e a nova ortografia deverá ser obrigatória dentro de seis anos.

No Brasil, o acordo entra em vigor em 1º de janeiro de 2009 e o país tem até 31 de dezembro de 2012 para se adaptar. De acordo com especialistas, 0,45% das palavras brasileiras sofrerão alterações, ao passo que em Portugal haverá mudanças em 1,6% dos vocábulos. Nesse período de transição, ficam valendo tanto a ortografia atual quanto as novas regras. Assim, concursos e vestibulares deverão aceitar as duas formas de escrita — a atual e a nova.

O Ministério da Educação estabeleceu que, em 2010, as novidades já serão incorporadas pelos livros didáticos. Entre as principais mudanças estão a incorporação de novas letras — “k”, “w” e “y”, elevando o número de letras de 23 para 26 —, o fim do trema, a extinção dos acentos diferenciais ainda existentes (como o de “pára”, do verbo parar), o fim dos acentos agudos de ditongos (palavras como “ideia” ficam sem acento) e o sumiço de acentos circunflexos, como os de “vôo” e “crêem”. Palavras começadas por “r” ou “s” não levarão mais hífen, como em anti-semita (ficará “antissemita”) ou em contra-regra (ficará contrarregra). O acordo não define todos os usos de hífens, por exemplo.

A falta de Machado - Na sessão solene de celebração dos 100 anos de morte de Machado de Assis, fundador da própria Academia, o orador oficial da solenidade, o acadêmico Eduardo Portella — lembrado até hoje pela espirituosa frase “eu não sou ministro, estou ministro”, quando era ministro da Educação de João Figueiredo — disse que o país sente muita falta de Machado. Acompanhado do ministro da Educação, Fernando Haddad, da Cultura, Juca Ferreira, e do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, Lula lembrou que Machado de Assis venceu pelo seu próprio talento individual, contra todas as probabilidades. “Não se trata de atribuir à literatura a agenda política, mas de perceber na grandeza de Machado, que nos questiona até hoje, um desafio a que o Brasil vença o preconceito e a exclusão”, discursou Lula.

Além da promessa de criar uma rede de bibliotecas públicas em todas as cidades brasileiras, Lula lembrou que o Programa de Bibliotecas Rurais Arca das Letras, implantado em 2003 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, já distribuiu mais de 1,2 milhão de livros, e que estão sendo formados 5.460 agentes de leitura para atuarem em bibliotecas, pontos de cultura e pontos de leitura.

O que muda
As alterações na língua portuguesa só passam a valer obrigatoriamente em 2012. Confira:

- O alfabeto ganha, oficialmente, mais três letras: o “k”, o “w” e o “y”

- Não existirá mais o trema nas palavras em português (por exemplo: tranqüilo passa a ser tranquilo e agüentar vira aguentar; o acento só continuará a ser usado em palavras estrangeiras, como sobrenomes do tipo Müller)

- Ditongos abertos “ei” e “oi” (como em alcatéia ou em heróico) não terão mais acento agudo

- Palavras com duplo “oo” (como vôo) e duplo “ee” (como lêem) perdem o acento circunflexo

- Não haverá mais acentos agudos ou circunflexos para diferenciar palavras (a exemplo de pára, do verbo parar, e para, preposição)

- O uso do hífen passa a ser limitado a quando os prefixos terminam em “r”: como super-forte ou hiper-resistente. Não existirá mais quando o segundo elemento da palavra começar com “s” ou “t”. No lugar do sinal, dobra-se a consoante: contra-regra se transforma em contrarregra

- Em Portugal, 1,6% das palavras serão alteradas. Somem, por exemplo, o “c” e o “p” quando elas não são pronunciadas (casos como o de óptimo, que vira ótimo, e acção, que passa a ser escrita como ação)
Fonte: Correio Braziliense

Ministério trocará dicionários da Rede Pública em 2009

Os livros didáticos adaptados à reforma ortográfica só começarão a chegar às escolas públicas em 2010, mas, até o fim do próximo ano, os alunos deverão ter acesso a dicionários com as novas regras.

O Ministério da Educação vai renovar em 2009 todo o acervo de dicionários para os estudantes do ensino fundamental e médio -cerca de 8 milhões a 10 milhões de novos exemplares, segundo o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). O acervo atenderá cerca de 37 milhões de alunos.

O FNDE estima gastar de R$ 70 milhões a R$ 90 milhões na compra dos dicionários.
A alteração dos livros didáticos será feita de forma gradual até 2012. Em 2010, os estudantes da primeira a quinta série do ensino fundamental receberão os livros adaptados.
Fonte: Folha de S.Paulo